UMA VISITA AO INFERNO - II


No post anterior, a narração do sonho de Dom Bosco foi interrompida no ponto em que ele — após penosíssima viagem — chegou ao fundo de um precipício, parando diante de um horripilante edifício em cuja porta de bronze leu a seguinte inscrição: “Aqui não há redenção”. Deu-se conta, então, de que estava diante da porta do Inferno.

Perante este espetáculo, eu quis fazer meia-volta e retornar ao Oratório. Dei alguns passos, mas meu guia nem se moveu.

Andamos em torno de um imenso e profundíssimo barranco e nos encontramos de novo no fim da rampa pela qual havíamos descido, diante da primeira porta. O guia voltou-se subitamente para trás e, pálido e com o rosto contraído, fez-me sinal para que eu me afastasse, dizendo:

— Olha!

Tinham escrito na testa seu pecado

Assustado, voltei para trás os olhos e vi, a grande distância, alguém que descia precipitadamente por aquele íngreme caminho. À medida que se aproximava de nós, eu procurava ver o seu rosto. Por fim, reconheci nele um de meus jovens. Seus cabelos estavam em parte desordenados e eriçados, e em parte tombados para trás, pela força do vento. Seus braços, estendidos para diante, em atitude de quem nada para escapar do naufrágio. Queria parar, mas não conseguia. Tropeçava nas pedras do caminho, mas essas mesmas pedras lhe aumentavam a velocidade.

— Corramos! Vamos segurá-lo, ajudá-lo! — disse, enquanto estendia para ele as mãos.

— Não. Deixa, é inútil — disse-me o guia.

— Por que não posso fazê-lo parar?

— Crês tu que podes deter alguém que foge da ardente ira do Senhor?

Nesse ínterim, aquele jovem, voltando para trás a vista e olhando com olhos desencontrados para ver se a ira de Deus o seguia, lançou-se ao fundo do precipício e foi bater na porta de bronze, como se, em sua fuga, não houvesse encontrado um refúgio melhor.

— E por que ele olha para trás com tanto espanto? — perguntei.

— Porque a ira de Deus atravessa todas as portas do Inferno e vai atormentá-los no meio do fogo.

Com efeito, em resposta à batida, abriu-se a porta, ribombando pela movimentação de seus ferrolhos. Depois dela, abriram-se ao mesmo tempo, com ensurdecedor estrondo, duas, cem, centenas, mil outras empurradas pelo jovem que era impulsionado por um torvelinho irresistível, velocíssimo.

Todas essas portas de bronze, uma em frente da outra, se bem que a grande distância, ficaram abertas por um instante. Vi no fundo, muito longe, algo como a boca de um forno. E quando o jovem se lançou nele, elevaram-se globos de fogo. As portas fecharam-se com a mesma rapidez com que se haviam aberto. Peguei então minha carteira para anotar o nome daquele infeliz, porém o guia, segurando-me pelo braço, me intimou:

— Espera e olha de novo.

Olhei, e vi novo espetáculo. Por aquela rampa precipitavam-se outros três jovens de nossa casa. Como se fossem três rochedos, rolavam rapidíssimos, um atrás do outro. Estavam de braços abertos e gritavam de susto. Chegaram ao fundo e foram impelidos através de um longuíssimo corredor. Ouviu-se um prolongado rumor infernal, que afastava-se cada vez mais, e desapareceram, fechando-se as portas.

Pouco a pouco, muitos outros foram caindo depois destes. Vi cair um pobrezinho arrastado por um pérfido companheiro. Uns caíam sozinhos, outros acompanhados; alguns agarrados pelo braço e outros soltos, se bem que bastante juntos uns dos outros. Todos tinham escrito na testa o seu pecado. Eu os chamava com grande empenho, mas eles não me escutavam. Retumbavam as portas infernais ao abrir-se, fechavam-se e reinava um silêncio sepulcral.

— Eis aqui a principal causa de tantas condenações: os livros, as más companhias e os maus hábitos — explicou o guia.

Remédios para evitá-lo

O que arrastava os jovens ao precipício eram as armadilhas que eu havia visto antes. Vendo cair tantos, disse com tom de voz desolado:

— Então é inútil nosso trabalho nos colégios, uma vez que são tantos os meninos aos quais está reservado este fim. Não há remédio algum para impedir a perda de tantas almas?

— Este é o estado atual em que se encontram. Se morressem neste estado, viriam parar aqui inevitavelmente.

— Neste caso, deixa-me anotar seus nomes, para eu poder avisá-los e colocá-los no caminho do Paraíso.

— E crês tu que, avisados, alguns se emendariam? Num primeiro momento, ficarão impressionados pelo aviso, mas depois o desprezarão, dizendo: “É um sonho!...” E se tornarão pior do que antes. Outros, sentindo-se descobertos, passarão a freqüentar os Sacramentos, mas sem méritos, porque não o farão bem.

Outros se confessarão, mas somente por um medo momentâneo do Inferno, sem extirpar de seu coração o apego ao pecado.

— Não há, então, remédio para esses desgraçados? Dá-me um remédio para salvá-los.

— Aqui está: eles têm superiores, obedeçam-lhes; têm o regulamento, sejam observantes; têm os Sacramentos, utilizem-se deles.

Entrementes, precipitou-se outro grupo de jovens, e as portas ficaram abertas por um momento.

— Entra tu também — disse-me o guia.

Retrocedi horrorizado. Havia-me metido na cabeça a preocupação de voltar ao Oratório para avisar os jovens e segurá-los, para que nenhum se perdesse. Porém, o guia insistiu:

— Vem, que aprenderás muitas coisas. Porém, diz-me antes: queres entrar sozinho ou acompanhado?

Disse isto para que eu reconhecesse a insuficiência de minhas forças e ao mesmo tempo a necessidade de sua benévola assistência. Eu lhe respondi:

— Sozinho? Àquele lugar espantoso? Sem ser ajudado pela tua bondade? Quem me ensinará o caminho de volta?

No mesmo instante, senti-me cheio de coragem, dizendo para mim mesmo: “Antes de ir para o Inferno, é preciso passar pelo Juízo; ora, ainda não fui julgado”. Assim sendo, exclamei resolutamente:

— Está bem. Entremos!

Fogo que atormenta sem consumir

Entramos naquele estreito e horrível corredor. Corríamos com a velocidade do relâmpago. Acima de cada uma das portas interiores brilhava com tétrica luz uma inscrição ameaçadora. No final, fomos parar num amplo e sombrio pátio, em cujo fundo se via uma grossa e horrenda porta, como jamais havia visto antes, acima da qual estavam escritas as seguintes palavras: Os ímpios irão para o fogo eterno. Todas as paredes estavam cheias de inscrições. Pedi ao meu guia permissão para lê-las, e me respondeu:

— Como queiras.

Examinei tudo. Vi escrito: Darei fogo a suas carnes, para que se queimem eternamente. — Serão atormentados dia e noite, por todos os séculos dos séculos. — Aqui está o conjunto de todos os males, pelos séculos dos séculos. — Aqui não existe ordem, mas sim o horror eterno. — Estará eternamente subindo a fumaça de seus tormentos. — Não há paz para os ímpios. — Clamor e ranger de dentes.

Enquanto eu estava lendo aquelas inscrições, o guia, que havia permanecido no meio do pátio, aproximouse e me disse:

— Deste ponto em diante, não poderão ter sequer um companheiro que os sustente, nem um amigo que os ajude, nem um coração que os ame, nem um só olhar compassivo ou uma palavra benévola. Passamos a linha divisória. Queres ver e provar?

— Quero apenas ver! — respondi.

— Então vem comigo. Tomando-me pela mão, conduziu-me até aquela porta, abrindo-a. Comunicava esta com uma área em cujo fundo havia uma grande gruta, fechada, com uma única janela de apenas um vidro que ia do piso ao teto, através do qual se podia ver o interior. Dei um passo atrás e retrocedi até o umbral da porta, onde fiquei parado, tomado de indizível terror.

Surgiu diante de meus olhos uma espécie de imensa caverna que se perdia nas entranhas da montanha, cheias de fogo, não como nós o vemos na Terra, mas um fogo tal e tão ardente que tudo quanto havia ao redor estava tostado e embranquecido pelo excessivo calor. Paredes, abóbadas, piso, ferro, pedras, lenha, carvão, tudo estava branco e incandescente. Aquele fogo era com certeza de mil e mil graus de calor, porém, nada consumia, nada reduzia a cinzas. Não sou capaz de descrever-lhes essa caverna em toda a sua espantosa realidade.

Desde há tempo, Thophet foi preparada por seu dono, foi preparada pelo rei, profunda e larga. Seu alimento é o fogo e muita lenha; o sopro de Deus, como uma torrente de enxofre, a mantém acesa (Is 30, 33).

Correm voluntariamente para lá

Enquanto olhava tudo isto atônito, vejo chegar de repente com fúria irreprimível um jovem que — dando um grito dilacerador, semelhante ao de quem está para cair num lago de bronze derretido — precipita-se no meio do fogo, torna-se incandescente como toda a caverna e permanece imóvel, ressoando ainda por alguns instantes o eco de sua voz agonizante.

Cheio de horror, fixei os olhos naquele jovem, e me pareceu que era um do Oratório, um de meus filhos.

— Mas este não é um de meus jovens? Não é Fulano de Tal? — perguntei ao guia.

— Sim, sim! — respondeu-me. — E por que não muda de posição? Como pode estar tão incandescente e não se consome?

— Tu escolheste apenas ver. Portanto, agora não fales. Olha e verás. Além disto, será salgado com fogo, e toda vítima será temperada com sal (Mc 9, 49).

Mal desviei os olhos, outro jovem, com desesperado furor e grandíssima velocidade, corre e se precipita na mesma caverna. Este também era do Oratório. Logo que caiu, já não mais se moveu, e também lançara um grito dilacerante, e sua voz confundiu-se com o último eco do grito do seu predecessor. Chegaram outros, da mesma forma. Seu número aumentava, e todos lançavam o mesmo grito e ficavam imóveis, incandescentes, como aqueles que os haviam precedido.

Notei que o primeiro tinha permanecido com uma mão no ar e um pé também suspenso no alto. O segundo estava como que dobrado para o solo. Uns tinham os pés no ar, outros tinham a cara no chão. Outros, como que suspensos, sustentando-se num só pé e numa só mão. Havia jovens sentados e deitados, apoiados de um lado, em pé e de joelhos, com as mãos entre os cabelos. Havia, enfim, grande número de jovens como estátuas, em posições as mais dolorosas.

Vieram ainda muitos outros cair naquele forno, alguns dos quais eu conhecia, outros me eram desconhecidos. Recordei-me, então, do que está escrito na Bíblia: como se cai a primeira vez no Inferno, assim se permanecerá eternamente. Onde cair a árvore, aí ficará.

Meu espanto aumentava, e perguntei ao guia:

— Mas estes que correm com tanta velocidade, não sabem que estão vindo para cá?

— Oh! sim. Sabem que vão para o fogo, foram avisados mil vezes, mas correm voluntariamente por causa do pecado, que não detestam e não querem abandonar, porque desprezaram e recusaram a misericórdia de Deus que sem cessar os convidava à penitência. E por isto a justiça divina, provocada, os empurra, os incita, os persegue, e eles não podem deterse a não ser quando chegam a este lugar.

De que nos aproveitou nossa soberba?

— Que enorme desespero o destes desgraçados sem a menor esperança de sair daqui! — exclamei.

— Queres conhecer a pena íntima e os furores de sua alma? Aproximate mais um pouco.

Dei alguns passos em direção à janela e vi que muitos daqueles miseráveis se espancavam e feriam uns aos outros, e se mordiam como cães raivosos. Outros arranhavam o próprio rosto, laceravam suas mãos, despedaçavam suas carnes e as atiravam para o ar com desprezo. Subitamente, o teto da caverna foi se tornando transparente, como de cristal, e através dele via-se uma parte do Céu e as radiantes fisionomias de seus companheiros salvos para sempre.

Aqueles condenados bramiam com uma feroz inveja, respirando afanosamente, porque os justos haviam sido olhados por eles como objeto de irrisão, durante algum tempo. O pecador verá e se encherá de ira, se enfurecerá e rangerá os dentes.

— Diz-me, como é que não se ouve voz alguma? — perguntei ao guia.

— Aproxima-te um pouco mais — gritou-me ele. — Abeirei-me do cristal da janela e ouvi que uns rugiam e blasfemavam entre horríveis contorções. Outros proferiam blasfêmias e imprecações contra os Santos. Era um caos de vozes e gritos agudos e desaforados, pelo que perguntei a meu amigo:

— Que dizem eles? Que estão gritando?

— Ao recordar a sorte de seus companheiros bons, vêem-se obrigados a confessar: Nós, insensatos, julgamos uma loucura sua vida, e sem honra seu fim. Mas eis que foram contados no número dos filhos de Deus, e sua sorte juntamente com a dos Santos. Logo, nós nos apartamos do caminho da verdade.

Por isto gritam: Corremos pelo caminho da iniqüidade e da perdição. Perdemo-nos por caminhos difíceis e não conhecemos o caminho do Senhor. De que nos aproveitou nossa soberba? Tudo passou como uma sombra.

São esses os lúgubres cantos que ali ressoarão por toda a eternidade. Porém, gritos inúteis, esforços inúteis, pranto inútil: Cairá sobre eles toda a dor. Aqui já não existe o tempo, há somente a eternidade.

(Conclui no próximo post.)

Obras completas de San Juan Bosco, Editora B.A.C., Madrid, 1967. Os subtítulos são nossos.

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