A chave do Céu
Cada vez que passava em frente
ao convento de religiosas de sua pequena cidade, Maria sentia o coração bater
mais forte. Gostava de ficar ouvindo do lado de fora o canto suave das irmãs,
vindo da igreja. Aquelas melodias angélicas, cheias de uma paz que não era
deste mundo, pareciam provir do Céu. Outras vezes, ficava espiando as monjas
enquanto trabalhavam na horta e pensava: “Como elas são alegres! A irmã
cozinheira, carregando tomates, é mais feliz que as minhas arrogantes
companheiras se exibindo pela rua”.
Aos domingos, Maria assistia à pregação e
depois meditava nas palavras do padre de feições austeras e voz possante:
“Lembrai-vos sempre, irmãos, que mais importa guardar tesouros no Céu ao invés
de multiplicá-los na Terra. O Senhor nos ensinou: ‘De que vale ao homem ganhar
o mundo inteiro se vier a perder sua própria alma?’. Vede o exemplo de nosso
pai São Francisco: soube ser pobre em espírito”.
Um dia, não resistiu e
perguntou a uma irmã:
— O que devo fazer para morar aqui?
O boa religiosa deu-lhe uma
resposta muito simples:
— Para viver abrigado por estas
santas paredes é preciso desejar acima de tudo o Reino dos Céus, abraçando a
pobreza em espírito, como fez Jesus.
Uma semana depois, a jovem,
carregando apenas uma malinha, entrava no convento para não mais sair.
Um dia, Irmã Maria notou o
hábito de uma monja em mau estado, e comentou:
— Vejo que sua manga está
rasgada. Quer que a costure? Se me permitir prestar-lhe tal serviço me estará
concedendo uma graça, pois sou uma pecadora e tenho faltas a reparar.
Surpreendendo a todas, Irmã
Maria fez um trabalho exímio. A cada ponto com a agulha tinha rezado uma
jaculatória pedindo que a Santíssima Virgem de Nazaré costurasse por ela.
Quando acabava a linha, rezava uma Ave-Maria. Dessa forma, cerziu a manga
inteira, deixando-a como se fosse nova. A notícia se espalhou pelo convento.
Não demorou muito em aparecer várias irmãs que precisavam de reparos em seus
hábitos. Eles voltavam cosidos, limpos e perfumados.
A superiora se alegrou com a
descoberta. Admirada ao ver a despretensão daquela filha, logo notou a
assiduidade de suas visitas ao Santíssimo Sacramento. “É por isso que tudo faz
com tanto primor”, pensava.
Passados alguns meses, ela
percebeu que os dotes de Irmã Maria podiam ir além da habilidade de fazer
remendos.
— Quer tentar fazer um hábito
inteiro? — perguntou-lhe.
— Se com isso eu puder dar
glória a Deus, perfeitamente!
A experiência foi coroada de êxito.
Das mãos “orantes” daquela religiosa, começaram a sair maravilhas acima das
expectativas. Nelas a tesoura tomava vida e corria pelo tecido marrom em
traçados tão certeiros, que a melhor das costureiras não poderia superar. Os
hábitos continuavam modestos, mas possuíam algo de especial: a marca do amor
com que a irmã os fazia.
Passaram-se os anos. Por vezes,
a quantidade de pedidos a levava a dormir muito pouco, a perder as horas de
recreação, e ela sentia a tentação de julgar que assim também já era demais...
Mas logo pensava que Deus a chamara para glorificá-Lo daquela forma, e esse
motivo a levava a dedicar-se por inteiro, redobrando as orações.
Irmã Maria tornou-se madura
e, com o tempo, uma anciã. Seus cabelos ficaram prateados, mas nem por isso
deixou de atender os pedidos de remendos e costuras. A comunidade a estimava e
admirava.
O implacável peso dos anos
trouxe-lhe uma febre incurável, que começou a consumi-la. Pressentindo a
partida desta vida, ela pediu os Sacramentos e passou a falar cada vez menos.
Rezava muito e pensava no encontro com Deus.
Numa madrugada gélida de inverno,
Irmã Maria parecia não resistir mais. O sino do convento chamou a comunidade
para acompanhar a querida irmã, em seus últimos momentos. Ajoelhados, rezavam a
oração dos agonizantes. De repente, um fio de voz quase imperceptível foi
ouvido.
Era Irmã Maria que pedia:
— Tragam-me a chave... a chave
do Céu...
As monjas não entenderam. Qual
seria essa “chave do Céu”? Será que já está delirando? Trouxeram-lhe um velho
livro de orações que usou durante muitos anos. Ela acenou que não. Trouxeram-lhe a cruz e o rosário. Também não era. Depois o livro dos Estatutos da Ordem.
Ainda não.
Então, a fisionomia de uma irmã
se iluminou. Cruzou rapidamente os corredores e voltou com a agulha de Irmã
Maria. Ao vê-la, esta esboçou um sorriso e disse:
— Sim, esta é minha chave do
Céu! A agonizante beijou-a com mãos trêmulas e expirou.
Sem ser grande aos olhos do
mundo, nem receber recompensa por seus serviços, Irmã Maria se santificara com
uma agulha na mão, trabalhando por amor a Deus. Para cada um a Providência tem
preparada uma “chave” que lhe abrirá o Céu. Trata-se de saber cumprir sua
vontade e seus desígnios. “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles
é o Reino dos Céus” (Mt 5, 3).
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