Uma morte luminosa, uma sublime missão
SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS
Ir. Elizabeth McDonnald, EP
O que tanto atrai em Santa
Teresinha, cuja devoção se tornou universal em pouco tempo? Falecida aos 24
anos, ela continua a nos sorrir e a nos convidar a seguir uma nova via de
santificação, a “pequena via”, acessível a todos.
Na tarde de 30 de setembro de
1897, uma cena inesquecível desdobrava-se na enfermaria do Carmelo de Lisieux.
Cercada de toda a comunidade ajoelhada em torno de seu leito de dores, SantaTeresinha do Menino Jesus, fitando os olhos no crucifixo, pronunciava suas
últimas palavras nesta terra de exílio:
— Oh! eu O amo... Meu Deus...
eu... Vos amo!
Subitamente, seus amortecidos
olhos de agonizante recuperam vida e fixam-se num ponto abaixo da imagem de
Nossa Senhora. Seu rosto retoma a aparência juvenil de quando ela gozava de
plena saúde. Parecendo estar em êxtase, ela fecha os olhos e expira. Um
misterioso sorriso aflora-lhe aos lábios e aumenta a formosura de sua
fisionomia.
“Eu não morro, eu entro na
Vida”, havia ela escrito poucos meses antes.
Sua luz
brilha no mundo inteiro
Sua morte, aos 24 anos, foi um
reflexo de sua breve existência — uma vida de virtude heroica, de amor a Deus e
ao próximo levado a limites extremos, e de sofrimentos suportados com uma
radiante alegria e uma santa despretensão.
Quis ela passar inteiramente
despercebida neste mundo. E este seu desejo de vida oculta teria sido
realizado, se Deus não tivesse outros desígnios a esse respeito.
Por ordem das superioras, a
humilde carmelita escreveu seus famosos Manuscritos Autobiográficos — “História
de uma alma” — que tanto bem fizeram, fazem e farão ao longo dos séculos, além
de várias cartas, poesias e outros documentos registrados pela História. E
algumas irmãs de hábito que bem compreenderam sua extraordinária virtude,
tomaram nota das conversas tidas com ela nos seus últimos meses de vida.
Graças a isso, a chama acesa
por Jesus na alma dessa Santa ilumina hoje o mundo inteiro. E nós podemos, nas
linhas abaixo, apreciar alguns “flashes” fulgurantes dessa luz.
* * *
Em abril de 1897, quando a
doença mortal entrava em sua última fase, sua irmã Paulina (em religião, Madre
Inês de Jesus) fez a primeira anotação em seu caderno: “Quando somos
incompreendidas e julgadas desfavoravelmente, de que nos serve defender-nos ou
explicar-nos? É muito melhor não dizer nada e deixar que os outros nos julguem
como lhes agrada. Não vemos no Evangelho Maria explicando-se quando sua irmã a
acusou de ficar aos pés de Jesus sem fazer nada! Não, ela preferiu permanecer
em silêncio. Ó abençoado silêncio que dá tanta paz às almas!”
Trechos como este, de conversas
íntimas com a Santa, quase nos fazem esquecer que ela está passando por
sofrimentos físicos atrozes, incompreensões e, muito mais duro de suportar, uma
terrível provação espiritual, “a noite da Fé”.
* * *
Descrevendo essa provação nos
Manuscritos Autobiográficos, ela afirma:
“Jesus permitiu que uma
escuridão negra como boca de lobo varresse minha alma e deixasse o pensamento
do Céu, tão doce para mim desde a minha infância, destruir minha paz e torturar-me...”
E em conversa com suas irmãs
acrescenta: “Minha alma está exilada, o Céu está fechado para mim e do lado da
terra tudo é provação também”.
Olhando pela janela da
enfermaria, viu um “buraco negro” no jardim e confidenciou à Madre Superiora:
“É num buraco como esse que eu me encontro, de corpo e alma. Oh! sim, que
trevas! Mas estou em paz dentro delas”.
No dia da partida para a
eternidade, pôde ela declarar com singela despretensão: “Oh, eu rezei
fervorosamente a Ele, mas estou realmente em agonia sem nenhuma mistura de
consolação”.
* * *
Apesar de todos os sofrimentos
físicos e espirituais, ela iluminava com seu sorriso e aquecia com sua caridade
as demais religiosas do convento. Naquela enfermaria não se respirava atmosfera
de tristeza. Santa Teresinha não o permitia! Escreve sua irmã Maria: “Quanto à
força moral, é sempre a mesma coisa, a alegria em pessoa, fazendo rir todos
quantos dela se aproximam. Creio que ela morrerá rindo, de tal forma ela é
alegre!”
A Santa usava seu vasto
repertório de jogos de palavras, imitações de pessoas, ditos espirituosos a
respeito dela mesma e da incapacidade dos médicos — tudo para praticar a
caridade fraterna.
Sua alegria nada tinha de
inautêntico, de forjado. A Irmã Teresinha detestava o fingimento! No entanto,
ela se encontrava num tal extremo de padecimentos que chegou a dizer: “Nunca eu
teria acreditado que fosse possível sofrer tanto. Nunca! Nunca! Não posso
explicar isto, exceto pelos desejos ardentes que eu tive de salvar almas”. E em
outra ocasião: “Que seria de mim se Deus não me desse forças? Não se tem idéia
do que é sofrer tanto assim. Se eu não tivesse a Fé, eu teria me dado a morte
sem hesitar um só instante...”
Donde lhe vinha, pois, tanta
força e alegria? Da total aceitação da vontade de Deus — “o Papai bom Deus”,
dizia ela graciosamente.
* * *
Santa Teresinha tinha um grande
medo: o de desagradar, no mínimo que fosse, seu bem-amado Jesus. Quanto ao
resto, nada temia, muito menos a morte. Fazendo alusão ao ensinamento do
Evangelho: “a morte vem como um ladrão”, gracejava ela de forma encantadora:
“Diz-se no Evangelho que a morte virá como um ladrão. Oh! ele virá roubar-me
muito gentilmente. Como eu gostaria de ajudar este ladrão!”
E mais: “Não tenho medo do ladrão.
Eu o vejo à distância e tomo muito cuidado para não gritar: ‘Socorro, ladrão!’
Pelo contrário, eu o chamo dizendo: ‘Por aqui, por aqui!’”
Como explicar uma tal
serenidade diante da morte iminente, mais ainda, uma tal vontade de que ela se
apresse? Muito fácil. Pela confiança inabalável no amor misericordioso de
Jesus, e pelo ardente desejo de perder-se nesse Amor o mais cedo possível.
O amor à bondade e à misericórdia
Santa Teresinha foi escolhida
por Deus para ensinar um caminho de santificação a ser trilhado pelas almas
fracas — a “pequena via”, a via da Confiança por excelência.
Escreveu ela nos Manuscritos:
“Sempre desejei ser uma santa (...) O bom Deus não inspira desejos
irrealizáveis, eu posso, portanto, aspirar à santidade apesar de minha pequenez.
Tornar-me grande, é impossível. Devo, pois, suportar-me tal como sou, com todas
as minhas imperfeições, mas quero procurar um meio de ir ao Céu por uma pequena
via, bem reta, bem curta (...) Eu quereria encontrar um elevador para subir até
Jesus, porque sou pequena demais para escalar a áspera escada da perfeição.
(...) Ah! o elevador que me fará subir ao Céu são vossos próprios braços, ó meu
Jesus!”
Essa grande Santa manteve
intacta sua Inocência batismal, nunca manchou sua alma por um único pecado grave
sequer. É por este motivo que ela demonstrava tal confiança na bondade do
Divino Salvador?
Nem de longe! Nas últimas
frases dos Manuscritos, podemos ler esta confortadora mensagem, a qual não
deixa a menor dúvida de que a via da confiança está aberta inteiramente até
para os maiores pecadores:
“... mas, sobretudo, imito a
conduta de Maria Madalena. Sua admirável, ou melhor, sua amorosa audácia
encanta o Coração de Jesus, e seduz o meu. Sim, eu o sinto: mesmo se me
pesassem na consciência todos os pecados possíveis de cometer, eu iria, com o
coração partido de arrependimento, jogar-me nos braços de Jesus, pois sei
quanto Ele ama o filho pródigo que vem Lhe pedir perdão. Não é porque o bom
Deus, em sua previdente misericórdia, preservou minha alma do pecado mortal que
eu me elevo a Ele pela confiança e pelo amor.”
E já nos últimos dias de sua
vida terrena, exclama:
“Oh! como sou feliz por me ver
imperfeita e por ter tanta necessidade da misericórdia do bom Deus no momento
da morte!”
Deixar-se carregar por Jesus,
por Maria Santíssima, no caminho da santidade... Sentir-se feliz por ser fraco
e ter necessidade da misericórdia e da bondade de Deus... Eis o caminho curto e
seguro indicado por Santa Teresinha — Doutora da Igreja, note-se! — para os
católicos de nossos dias, homens e mulheres, de todas as idades e condições
sociais.
Ninguém tem
pretexto para não desejar a santidade
O preceito do Divino Mestre,
“sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”, é dirigido à humanidade
inteira. O que para qualquer ser humano é impossível, Ele tornou possível até
para os mais débeis, pelos méritos infinitos de sua Paixão e Morte na Cruz. As
miríades de Santos do Céu dão testemunho dessa verdade consoladora.
Santa Teresinha, porém, vai
mais longe. Além de nos ensinar pela doutrina e pelo exemplo, ela se põe à
nossa disposição, como se pode ver nas palavras ditas a suas irmãs de Vocação
no dia 17 de julho, menos de três meses antes de subir ao Céu:
“Sobretudo, sinto que minha
missão vai começar, minha missão de fazer amar o bom Deus como eu O amo, de
comunicar às almas minha “pequena via”. Se o Bom Deus realiza meus desejos, meu
Céu se passará sobre a terra até o fim do mundo. Sim, quero passar meu Céu
fazendo bem à terra.”
“... minha missão de fazer amar
o bom Deus como eu O amo”. — Então, que ela cumpra em cada um de nós, leitor,
sua sublime lição! Peçamos esta graça com toda confiança. Revista Arautos do Evangelho nº 33 - setembro 2004
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