Como transformar trabalho em incenso
Lamartine
de Hollanda Cavalcanti Neto
Em
certos momentos de paz e reflexão, passam, às vezes, pela mente pensamentos
mais generosos, que nos levam a horizontes mais amplos. São as horas em que
gostaríamos de ser tão melhores do que somos, de fazer por Deus e por Sua Santa
Igreja tanto mais do que o pouco que realizamos.
Lamentamo-nos
conosco: “Aqui estou, preso aos meus afazeres neste escritório, nesta fábrica,
nesta escola ou nesta cozinha. São tantas as ocupações, as obrigações
familiares, os compromissos financeiros... Não haveria um modo de servir melhor
a Deus, sem faltar com as obrigações já assumidas?”
Talvez
a história narrada a seguir, resumida de um artigo publicado na revista
portuguesa “Cruzada”, sirva para inspirar essas almas sequiosas de uma maior
dedicação.
Dom Guilherme Manuel Kétteler
Guilherme
Manuel Kétteler nasceu no dia de Natal de 1811, na cidade de Münster, na
Alemanha. Concluídos seus estudos básicos, feitos com os jesuítas, na Suíça,
formou-se em Direito e passou a exercer o cargo de notário. Influenciado talvez
pelo ambiente, deu-se à vida fácil e despreocupada dos jovens de seu tempo.
Uma
noite, quando se divertia num baile, viu no ar, pairando acima de si, o rosto
de uma freira que o olhava com tristeza. Impressionado com aquela visão,
interrompeu a dança e saiu. Tocado por profunda graça, arrependeu-se dos seus
extravios e voltou-se sinceramente para Deus. Sem saber direito por que, desde
aquele dia não mais lhe saía da cabeça a idéia de se tornar sacerdote. Moço
rico e inteligente, a quem o mundo sorria com mil encantos, resolveu aceitar o
convite do Senhor e se entregar todo a Deus.
Em
1844, aos 33 anos de idade, recebeu o Sacramento da Ordem. Pouco depois, foi
nomeado Pároco, primeiro de Hopten, depois de Berlim. Seu apostolado mostrou-se
tão frutuoso que, em 1850, o Papa Pio IX o nomeou Bispo de Mogúncia.
Como
bispo, fundou seminários, casas de retiro, reafervorou o Clero, levou Ordens
religiosas para sua arquidiocese, socorreu os necessitados, realizou
congressos, pregando pela palavra e pelo exemplo a boa nova do Evangelho. Por
tão extraordinário zelo e qualidades, Dom Guilherme Manuel Kétteler é apontado
como um dos maiores bispos do século XIX.
Certa
manhã, foi a um convento de freiras celebrar a Missa. Ao ministrar a Sagrada
Comunhão a uma religiosa, ficou surpreso. Aquela idosa freira parecia-lhe a
mesma que tinha visto fixar-lhe um olhar magoado, no baile no qual começara a
sua conversão havia mais de 30 anos.
Para
melhor se certificar, após a Missa pediu à Superiora que reunisse todas as religiosas.
Em breve, tinha diante de si a comunidade inteira. Com olhar interrogador,
percorreu, uma a uma, todas as irmãs. Mas, nada. Não encontrou aquela que ele
supunha ser a freira que lhe aparecera. Teria sido ilusão?
Perguntando
à Superiora se não faltava nenhuma, esta lhe respondeu que apenas a irmã
cozinheira não estava ali, pois, por ser muito aplicada ao trabalho, pedira
para ser sempre dispensada das visitas.
O
Prelado fez questão de conhecê-la. A boa freira, muito velhinha, apresentou-se,
meio embaraçada por sua humildade. Mal D. Kétteler a viu, estremeceu: era, sem
sombra de dúvida, a religiosa que vira no baile. Perguntou-lhe:
— O
que faz a senhora?
— Há
mais de 40 anos trabalho na cozinha, mas agora as forças são muito poucas,
senhor Arcebispo.
— E
não se interessa pelas almas?
—
Ah, senhor bispo, gostaria de poder rezar muito mais do que rezo, mas os
afazeres não me permitem. Em compensação, ofereço todos os meus trabalhos e
sofrimentos a Deus, pela Santa Igreja, pela conversão dos pecadores, pelo Santo
Padre e pelo nosso bispo. Todas as noites, numa determinada hora, rezo e me
sacrifico pelos rapazes inteligentes que Nosso Senhor chama para o sacerdócio,
mas que, por causa dos prazeres do mundo, não querem ouvir a sua voz.
“Aqui
está o segredo de tudo!” — pensou o prelado. Comovido, disse-lhe com paternal
carinho:
—
Continue assim, minha irmã. Talvez muitos sacerdotes e até mesmo algum bispo
lhe devam a Vocação.
Depois
de as religiosas se retirarem, contou a visão que tivera à Superiora,
acrescentando: “Ao distribuir hoje a Sagrada Comunhão, reconheci na Irmã
cozinheira a religiosa que me apareceu no baile. A hora em que a vi é
precisamente a mesma em que ela reza e se sacrifica, todos os dias, pelos
rapazes com vocação sacerdotal. A ela devo certamente ser hoje sacerdote e
bispo. Benditas sejam as almas que, no silêncio dos conventos, rezam e se sacrificam
pelo aumento de vocações e pela santificação dos sacerdotes.”
* *
*
Mas
só nos conventos? E por que não também nos escritórios, nas fábricas e nas
cozinhas? Por que não oferecer a Deus nossos trabalhos, amarguras e sofrimentos
do dia-a-dia, como aquela boa religiosa?
Se queremos
que nossas almas também sejam benditas, ofereçamo-los a Deus, pelas mãos
virginais de Maria, juntamente com nossas orações e sacrifícios, para que subam
ao Céu como um incenso de agradável odor em favor da Santa Igreja e do Papa, da
Sagrada Hierarquia, do Clero, dos nossos parentes e amigos, pela conversão dos
pecadores, por tudo, enfim, quanto se possa e se deva pedir.
Talvez
não cheguemos a conhecer, nesta vida, nenhum de nossos favorecidos. Não
importa. Teremos depois toda a eternidade para conhecê-los no Céu. !
Revista Arautos do Evangelho nº15 março 2003
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