Lembra-te homem de que és pó
A comemoração dos
fiéis defuntos além de ser o dia no qual rezamos de modo especial
pelos que faleceram e que se encontram no purgatório, é também uma
data que nos torna presente a realidade da morte. “Lembra-te
homem de que és pó e ao pó hás de tornar”. Nessa
perspectiva consideremos o texto extraído do livro “Imitação de
Cristo”.
Do juízo e das penas dos
pecadores
1. Em todas as coisas considera o fim e como um dia
comparecerás ante o Juiz severo, a quem nada é oculto, que não se
deixa aplacar com dádivas nem admite desculpas, mas julga com
justiça. Oh! miserável e insensato pecador! que responderás a Deus
que conhece todas as tuas maldades, tu que às vezes treme à vista
de um homem irado! Por que não te preparas para o dia do juízo em
que ninguém poderá ser escusado ou defendido por outrem mas cada
qual terá bastante que ver consigo? Agora produz fruto o teu
trabalho; as tuas lágrimas são acolhidas e aceitos os teus gemidos;
a tua dor é satisfatória e purificativa.
2. Grande e salutar purgatório tem o homem paciente
que, injuriado, mais se aflige com a maldade alheia do que com a
ofensa própria; que roga sinceramente pelos que o contrariam e de
coração lhes perdoa; se a alguém magoa, não tarda em pedir-lhe
perdão; que mais facilmente se inclina à compaixão do que à
cólera; que, muitas vezes, faz violência a si mesmo e se esforça
por sujeitar de todo a carne ao espírito. Mais vale purificar agora
os pecados e extirpar os vícios do que deixar para expiá-los na
outra vida. Em verdade nos enganamos a nós mesmos pelo amor
desordenado que temos à carne.
3. Que há de devorar aquele fogo senão os teus
pecados? Quanto mais agora te poupares e seguires os apetites da
carne tanto mais rigoroso será depois o castigo e mais matéria
ajuntas para o fogo eterno. No que o homem mais pecou será mais
severamente punido. Ali os preguiçosos serão exasperados com
aguilhões ardentes e gulosos, atormentados com grande fome e sede.
Ali os luxuriosos e amantes da volúpia serão imersos em pez
abrasador e fétido enxofre; e, como cães danados, uivarão de dor
os invejosos.
4. Nenhum vício há que não tenha o seu suplício
próprio. Ali, os soberbos estão cheios de confusão e os avarentos,
reduzidos à mais miserável indigência. Ali será mais terrível
uma hora de tormento do que aqui cem anos da mais rigorosa
penitência. Aqui, de quando em quando, cessam os trabalhos e
consolamo-nos com os amigos; lá, para os condenados, nenhum
descanso, nenhuma consolação. Tem agora cuidado e dor de teus
pecados para que no dia do juízo possas partilhar a segurança dos
bem-aventurados: porque "então os justos estarão com grande
confiança contra os que os angustiaram" (Sap. V,1) e oprimiram.
Então se erguerá para julgar o que agora humildemente se curva ao
juízo dos homens. Então grande confiança terá o pobre e humilde;
e de pavor será envolvido o soberbo.
5. Ver-se-á então como foi sábio neste mundo o que
aprendeu a ser louco e desprezado por Cristo. Então dará prazer
toda tribulação suportada com paciência "e a iniquidade não
ousará abrir a boca" (Salmos CVI,42). Então exultará de
alegria o homem devoto e de tristeza se consternará o ímpio. Mais
se alegrará então a carne mortificada que se fora nutrida com
delícias. Então resplandecerá o hábito grosseiro e perderão o
seu brilho as vestes suntuosas. Mais louvores terá então o casebre
do pobre que o palácio resplandecente de ouro. Então mais
aproveitará a paciência constante que todo o poder do mundo. Mais
exaltada será a obediência simples que toda a astúcia do século.
6. Então mais alegria causará a pureza de uma boa
consciência que a douta filosofia. Mais peso terá o desprezo das
riquezas que todos os tesouros da terra. Mais consolação te dará a
oração fervorosa, que as iguarias delicadas. Mais alegria terás
pelo silêncio guardado do que pelas longas conversas. De maior valor
serão as obras santas que as belas frases. Mais te há de agradar
então a vida estreita e a penitência rigorosa que todos os prazeres
do mundo. Aprende agora a sofrer pouco para te livrares então de
sofrimentos mais graves. Experimenta primeiro nesta vida o de que
serás capaz na outra. Se não puderes agora suportar tão pouco como
poderás sofrer tormentos eternos? Se o menor incômodo te causa
agora tanta impaciência, que fará então o inferno? Em verdade duas
venturas não poderás reunir: deliciar-te neste mundo e reinar
depois com Cristo.
7. Se até hoje houveras vivido sempre em honras e
prazeres, de que te aproveitaria tudo isso se viesses a morrer nesse
instante? Assim, pois, "tudo é vaidade" (Ecles. I,2)
exceto amar a Deus e só a Ele servir. Quem ama a Deus de todo
coração não teme nem a morte nem o castigo, nem o Juízo, nem o
Inferno: porque o perfeito amor nos dá acesso seguro junto a Deus.
Não admira, porém, que tema a morte e o juízo, aquele que ama
ainda o pecado. Se contudo o amor de Deus não te aparta ainda do
mal, bom é que, ao menos, te retenha o temor do inferno. Aquele,
porém, que despreza o temor de Deus não terá forças para
perseverar no bem por muito tempo e bem depressa cairá nas ciladas
do demônio.
Imitação de Cristo Tradução
de P. Leonel Franca, S.J., 1944 Capítulo XXIV
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