Um presente para o Menino Jesus
Beatriz Alves
dos Santos
Aquela pitoresca aldeia da
Alemanha parecia feita de marzipã. Era dezembro, e as casas tinham seus
telhados cobertos por um manto alvíssimo, reluzente à tênue luz do sol de
inverno, que parecia brincar de esconder com as nuvens. À noite, as bolinhas
coloridas das árvores natalinas, a densa fumaça das chaminés e o perfume dos
pães de mel faziam tudo tomar aparência de sonho. Uma atmosfera jubilosa tomava
conta dos corações e as crianças começavam a confeccionar, com as próprias mãos,
presentes para serem ofertados ao Menino Jesus depois da Missa do Galo, na
matriz.
Rudolf era o filho mais velho
de uma numerosa família. Ajudava à mãe no cultivo de legumes e tinha muita
prática com as coisas do campo. Naquele momento achava-se serrando, com decisão
e energia, uma grande tora de madeira conseguida no bosque.
Aos poucos foram chegando os
irmãos para ajudar-lhe. Juntos, decidiram dar de presente para o Divino Infante
um novo bercinho, pois o do presépio da matriz era tosco e estava muito gasto.
Serraram, lixaram, bateram pregos, poliram e o ornamentaram com palha e ramos
de pinheiro. Ficou pronto e lindo o movelzinho, feito com tanto amor.
Horas mais tarde chegou a mãe, dona
Gertrudes. Havia se tornado uma mulher amarga depois da morte do marido. Mas o
pior fora sua súbita perda da fé. Como a família era pobre, com quatro crianças
ainda pequenas, ela precisava trabalhar lavando roupas e fazendo faxina em
outras casas para mantê-las. Mas em vez de pedir auxílio ao Céu, confiando no
bom Deus, que a ninguém desampara, revoltara-se com sua situação. Vendo o bercinho
e adivinhando sua finalidade, tomou-se de cólera e atirou-o na lareira,
dizendo:
— Já lhes disse que neste ano
não teremos Natal! Que vamos celebrar? Se o Menino Jesus existisse nos ajudaria...
E, ademais, não temos dinheiro para a lenha. Estes pedaços de madeira vieram
bem a calhar, porque faz frio e necessitamos alimentar o fogo.
Com a fisionomia fechada,
retirou-se à cozinha para preparar a refeição.
As crianças começaram a chorar.
Franz disse baixinho, entre soluços:
— Rudolf, quer dizer que... nem
poderemos oferecer um presente ao Menino Jesus?
— Ânimo! Vamos pensar em
algo...
Helga, a caçulinha replicou:
— Podemos fazer-Lhe uma bonita
roupinha!
Procuraram alguns retalhos na
caixa de costura da mãe. Mas não tinham tecido e muito menos mãos hábeis para confeccioná-la...
Anette teve a ideia de prepararem bolachas e pães de mel, mas a falta de
mantimentos e dotes culinários lhes tirou a alegria. Ralf ainda pensou em
compor uma música. Pegou sua flautinha e começou a tocar, mas a desafinação foi
geral...
Dona Gertrudes, atraída pela
algazarra, dirigiu-se à sala.
— Parem com este bulício, pois
a vizinhança daqui a pouco vai querer saber o que está acontecendo!
Helga, com voz trêmula, replicou:
— Mas, mamãe, só nossa família
não vai comemorar o Natal!...
— Isso não me importa! Se esse
Jesus, de quem vocês falam, fosse Deus de verdade, já teria melhorado nossa
mísera condição.
Todos ficaram muito tristes e
aborrecidos. Quando a mãe saiu, Franz disse aos irmãos:
— Vamos rezar, pedindo a Nossa
Senhora para nos ajudar a conseguir um presente para seu Divino Filho!
— E para tocar o duro coração
de mamãe... — acrescentou Anette.
Ajoelharam-se todos e rezaram
com muita devoção e piedade.
Alguns dias depois, Rudolf foi
à aldeia vizinha para vender os produtos cultivados na horta. No fim do
trabalho, uma senhora, observando sua responsabilidade e empenho, deu-lhe uma bela
rosa de seu jardim de inverno, para agradar-lhe.
A fisionomia de Rudolf se
iluminou! Ali estava o presente do Menino Jesus! Uma flor tão bela como aquela,
em pleno inverno, era uma raridade! Regressou apressado, a fim de mostrar aos
irmãos como Nossa Senhora atendera suas orações. Mas tiveram a precaução de
esconder muito bem a flor numa caixa, para não ser destruída pela mãe.
Chegada a véspera do Natal,
dona Gertrudes decretou que todos deveriam ir para a cama antes das dez horas. Os
outros lares da aldeia, até os mais humildes, estavam engalanados, alegres e cheios
de iguarias. Os camponeses vestiam suas melhores roupas para participar da
Missa do Galo. Só a casa de Gertrudes permanecia triste e apagada...
Porém, perto da meia-noite, as
crianças se prepararam às escondidas e saíram pela janela para ir à igreja. Carregavam
com muito cuidado a caixa contendo o precioso presente.
Chegando à matriz, abriram-na
para dar uma olhadinha e... grande espanto! A rosa estava completamente murcha!
E agora? Sem ter outra solução, decidiram entregá-la assim mesmo, certos de que
o Menino Jesus conheceria a intenção de seus corações.
Depois da Missa, ao som do Stille Nacht, as crianças se
dirigiram em cortejo ao presépio para entregar seus regalos: trajezinhos de
veludo, incenso, perfumes, toda espécie de marzipãs e chocolates, cestas de
frutos secos arranjadas com primor... Também os filhos de Gertrudes se
aproximaram e, quando Rudolf abriu a caixa... Oh, prodígio! Não havia uma, mas cinco
belíssimas rosas de cores variadas, unidas em gracioso buquê por uma delicada
fita de seda!
Nesse mesmo instante, entrou na
matriz dona Gertrudes. Ao sentir-se envolvida pelo ambiente carregado de
bênçãos e contemplar a fé inocente das crianças, a pobre mãe irrompeu em pranto.
Entre lágrimas, ajoelhou-se diante do presépio, pediu perdão a Deus por suas
faltas e ofereceu ao Divino Infante, diante de todos, seu coração contrito e humilhado.
O povo amava esta senhora tão sofrida, apesar de todas
suas rabugices e desfeitas. Condoía-se pela mísera vida levada por ela e tinha
pena dos sofrimentos de seus filhos. Por isso, ao vê-la milagrosamente arrependida,
a igreja inteira explodiu em um maravilhoso cântico de ação de graças.
A partir desta noite, tudo
começou a melhorar para aquela família. Rudolf achou um excelente emprego, perto
de casa. Ralf, Franz, Anette e Helga cresciam dando alegrias à boa Gertrudes, a
qual se tornara uma extremosa mãe e prestativa vizinha, além de uma das mais
piedosas paroquianas da aldeia.
Revista Arautos do Evangelho n.108. dez 2010
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