Uma “proeza” de Frei Junípero
Frei Junípero, um dos primeiros
discípulos e companheiros de São Francisco de Assis, não conseguia manter-se em
silêncio quando era repreendido ou quando alguém lhe fazia uma observação
desagradável. Para se corrigir desse defeito, fez o propósito de, durante seis
meses, não dar réplica nem mesmo às mais pesadas injúrias que lhe fossem
eventualmente feitas.
Essa luta contra si mesmo lhe
custou grandes sacrifícios. Certa vez, ao ser insultado de forma brutal, ele
fez um tal esforço para se conter que sentiu subir-lhe aos lábios uma golfada
de sangue que jorrava de seu peito.
Nesse dia, muito aflito, o bom
frade entrou numa igreja, prostrou-se diante de um crucifixo e exclamou:
— Vede, meu Senhor, o que
suporto por amor a Vós! Então, cheio de temor e encanto, viu o divino
Crucificado despregar do madeiro a mão direita e colocá-la sobre a chaga aberta
pela lança do centurião, ao mesmo tempo que lhe dizia:
— E Eu, o que suporto por amor
a ti?
Profundamente emocionado, Junípero
era outro homem ao se levantar. Ele, que antes não conseguia aturar sem
sofrimento qualquer pequena injúria, passou a receber com alegria as mais
graves ofensas, como se fossem pedras preciosas para ornar sua alma.
* * *
Nessa situação encontrava-se
ele quando adoeceu um frade do Convento de Santa Maria da Porciúncula. Vendo
esse seu irmão enlanguescer no leito de enfermo, Frei Junípero lhe fazia frequentes
visitas, ajudando-o a vencer esse período de provação. Pôsse também à sua
disposição como improvisado enfermeiro.
— Meu irmão, posso ajudar-te de
alguma forma? Gostarias de algo para comer?
— Bem, gostaria muito de comer
um pé de porco cozido, se for possível... — respondeu o doente.
Em sua ingenuidade e bom humor,
Frei Junípero tomou com toda naturalidade esse estranho pedido.
— Deixa comigo! Logo trarei um
pé de porco e o prepararei da maneira que quiseres! Armado com uma grande faca
de cozinha, Junípero foi para o bosque vizinho, onde encontrou uma manada de
porcos se alimentando sob a vigilância atenta de um camponês. Sem qualquer
hesitação, correu atrás de um, pegou-o e cortou uma de suas patas.
Retornando alegre, mandou o
cozinheiro prepará-la e a serviu com bondade ao seu irmão doente. Enquanto este
comia com grande apetite, Frei Junípero o entretinha com um divertido relato de
como havia “capturado” o suíno e lhe cortado a pata.
* * *
Entrementes, o guardador dos
porcos partiu correndo, para contar a seu patrão o ocorrido. Este, muito
irritado, foi insultar os frades, chamando-os de hipócritas, ladrões, bandidos
e outros epítetos do gênero, por terem cortado uma pata de um de seus porcos. E
afirmava que eles haviam feito isso “com deliberada malícia”.
À vista do alvoroço levantado
pelo dono do animal amputado, São Francisco procurou humildemente acalmá-lo,
prometendo que lhe ressarciria o prejuízo. Ele, porém, longe de se tranquilizar,
proferiu muitas maldições e ameaças, repetindo sempre que o pé do porco havia
sido cortado com “deliberada malícia”...
Enquanto os bons religiosos
permaneciam em um silencioso assombro, São Francisco começou a desconfiar de
que talvez o Irmão Junípero tivesse, por indiscreto zelo, sido o autor da
censurável ação de que estavam sendo acusados os frades. Mandou chamar
imediatamente o suspeito e lhe perguntou:
— Tu cortaste o pé de um porco
no bosque vizinho?
Este, sem nada saber da comoção
que tinha causado, contou com toda simplicidade a história inteira e
acrescentou:
— Caro pai, saborear esse pé de
porco fez tanto bem ao nosso irmão enfermo que eu não teria remorsos em cortar
os pés de cem outros!
São Francisco ficou triste e,
com zelo pela justiça, exclamou:
— Oh, Irmão Junípero! Por que
trouxeste esta desgraça sobre nós? Aquele homem talvez agora esteja reclamando
de nós e destruindo nossa reputação pela cidade afora, tendo boas razões para
tal! Portanto, eu te ordeno, em nome da santa obediência, que corras atrás dele
até alcançá-lo. Jogar-te-ás aos seus pés, reconhecendo tua culpa, e prometerás
ressarcir o prejuízo. Faze-o de tal maneira que ele não tenha mais razão para
reclamar de nós, porque este foi certamente um erro muito sério.
— Meu pai, estai certo de que
darei a este homem grande consolação.
* * *
Com a mesma energia com a qual
havia cortado o pé do porco, Frei Junípero saiu correndo, alcançou o lavrador
e, com grande manifestação de alegria, lhe contou o motivo de sua ação,
enfatizando o quanto o frade doente havia ficado contente ao comê-lo.
Para sua surpresa, o homem, em
vez de aprovar essa “bela ação”, mostrou-se muito mais enraivecido do que antes
e o cobriu de insultos, chamandoo de ladrão, malfeitor, idiota e cabeça de
burro!
Sereno e tranquilo, Frei
Junípero não conseguia compreender o motivo de uma tão grande ira. “Este homem
não entendeu minha explicação”, pensou ele. E contou-lhe de novo, com mais
minúcias, o motivo pelo qual esperava que ele, em vez de se irar, aprovaria a
amputação feita no seu suíno. Depois atirou-se ao pescoço do lavrador e
acrescentou:
— Veja, meu bom senhor, fiz
isso para atender um pobre doente. E o senhor, por meio do seu porquinho,
ajudou-me a lhe dar saúde. E, por consequência, não ficará mais triste nem
zangado, mas vamos alegrar-nos juntos e agradecer ao bom Deus que nos dá os
frutos da terra e os animais dos campos, e quer que todos sejamos seus filhos e
nos socorramos uns aos outros como bons irmãos. Não tenho razão? Diga, meu caro
e excelente irmão!
Finalmente vencido por
tanta simplicidade, sinceridade e boa vontade, o homem recobrou a calma,
reconheceu que havia errado em insultar Frei Junípero e os outros frades, e
pediu perdão a Deus e a eles. Tal foi sua mudança de sentimentos, que foi ao
bosque, matou o porco, mandou assá-lo e o
levou pessoalmente ao convento como presente para aqueles santos religiosos.
Ir. Elizabeth MacDonald,EP - Revista Arautos do Evangelho n. 43. jul 2005
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