As três perguntas do Imperador


       Senhores duques e barões — diz o grande Imperador de barbas brancas — eis que meu fiel amigo e vassalo Teudegúndio entregou piedosamente sua alma a Deus, deixando na Terra apenas sua lembrança e as saudades naqueles que o conheceram. Não tendo filhos, e havendo-o precedido sua esposa na mansão dos justos, seus bens e suas terras estão doravante nas minhas mãos; e eu vos reuni hoje aqui para determinar quem de vós merece receber esta herança. Vou fazer-vos três perguntas. Quem acertar perfeitamente as três, ficará com a herança.“Ouvi, pois, a primeira pergunta: onde está o centro do mundo?” Os duques e barões entreolharam-se, estupefatos. Nenhum deles saberia dizê-lo com precisão. Mas Carlos continuou: “Escutai agora a segunda: quanto achais vós que eu valho?”

 O silêncio, na sala do Conselho, se fazia cada vez mais angustiante. Quem poderia responder a tão difíceis perguntas?
 “A terceira pergunta é: o que estou pensando?”
Os presentes se agitavam nas cadeiras...  “Impossível!”, exclamaram vários. “Ninguém conseguirá!”, afirmaram outros. “São perguntas que não têm resposta!”
"Senhores, concedo-vos uma semana para refletir” — cortou o grande Carlos, sem pestanejar.
Encerrou-se a reunião, todos se retiraram.
Agreldácio, o mais jovem dentre eles, acabava de ser nomeado barão após a morte de seu pai. Pobre, sem terras nem bens, morava sozinho e sobrevivia apenas dos frutos da horta cuidada por um jardineiro, jovem como ele.
De volta a seu pequeno castelo, parou diante de uma linda imagem de Nossa Senhora que reinava no jardim. Dirigiu-lhe uma prece filial, dizendo que, caso assim o 
quisesse, Ela poderia colocar ao alcance dele a herança desejada. Terminava de fazer o sinal-dacruz, quando se aproximou o jardineiro. — Senhor barão, andais preocupado... em algo posso ser-vos útil?
Nosso barão contou-lhe o que se passara no Conselho. O jardineiro não pareceu embaraçado com as perguntas.
— Não vos preocupeis. Temos uma semana para pensar... Com vossa permissão, hei de fazê-lo. Creio que poderemos encontrar uma boa solução. Estas palavras, ditas com segurança, reanimaram Agreldácio. Passada uma semana, no dia marcado pelo Imperador, quando Agreldácio preparava-se para sair, viu chegar seu jardineiro, sempre tranqüilo, mas com um brilho especial nos olhos.
Curiosamente, tinha ele nas mãos uma esfera de pedra e um manuscrito de um trecho do Evangelho. Após cumprimentar o patrão, disse-lhe:
— Senhor barão, peço que façais tudo o que vos disser, pois tenho boas esperanças no sucesso de
vossa empresa.
Em poucos minutos, o inteligente jardineiro expôs seu plano. Pouco depois saíram ambos a cavalo,rumo ao palácio do Imperador.
Na sala do Conselho reinava grande expectativa. Após tratar de vários assuntos referentes ao reino, indagou Carlos a respeito das perguntas que tinha feito na semana anterior. Seguiu-se um silêncio, misto de respeito e vergonha. De repente, do mais afastado dos assentos levantou- se o mais jovem dos presentes.
Dissimulando sua surpresa com um amável sorriso, Carlos procedeu ao interrogatório:
— Senhor barão, dizei-me a resposta à primeira: onde está o centro do mundo?
— Majestade, se é verdade que o mundo é redondo, qualquer ponto pode ser seu centro; logo, quanto mais o lugar onde se encontra Vossa Majestade... — respondeu o moço, com uma calma inusual em sua idade.
Um burburinho de aprovação percorreu o auditório. Os sábios do Império se entreolhavam com admiração. Contente, prosseguiu o Imperador:
— Senhor barão, respondei-me, pois, à segunda pergunta: quanto achais que eu valho?
— Majestade, se nosso Salvador, Jesus Cristo, quis ser vendido por trinta moedas, certamente não valereis vós mais de vinte e nove... — retrucou o jovem com igual serenidade.
A estupefação encheu o auditório. Ninguém tinha pensado nisto! A resposta era perfeitamente válida! Todos se perguntavam quem era esse jovem. Mas ainda faltava uma pergunta por responder... a mais difícil!
— Senhor barão, respondestes bem às duas primeiras perguntas, e em verdade admiro-me de vossa justeza. Porém, falta-vos uma, e me admiraria ainda mais que a acertásseis. Dizei-me, pois, agora: o que estou pensando?
Na sala do Conselho, a tensão atingiu seu auge... Seria este jovem capaz de penetrar no pensamento
do Imperador?
Tirando com graça o chapéu e o manto, deixando assim aparecer o traje de seu ofício, o jovem  respondeu com desenvoltura:
— Majestade, vós pensais que sou o Barão Agreldácio... Entretanto, não sou senão seu jardineiro.
E humilde servidor vosso — acrescentou, fazendo uma profunda reverência.
Um estrondoso aplauso quebrou o silêncio que até então os assistentes tinham logrado manter.
A seguir, o jardineiro terminou pedindo ao Imperador que concedesse a seu amo a herança da qual se tinha tornado merecedor por suas respostas. De bom grado, o generoso Imperador acedeu.

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